sábado, 22 de maio de 2010

Empréstimos cotidianos


Empréstimos cotidianos

O fenômeno lingüístico/cultural do empréstimo, palavra estrangeira que se introduz em nossa língua, sempre levanta polêmicas. Talvez por isso, tenha despertado tanto interesse o candidato/ aluno do programa Soletrando, de Luciano Hulk ter sido eliminado por não saber soletrar o termo kirsch. O empréstimo não é tão simples quanto possa parecer, nem envolve apenas o aspecto lingüístico, mas também questões culturais e políticas.

A palavra é um fenômeno ideológico. Sendo assim, a adoção de uma palavra estrangeira revela-se como algo mais que uma escolha formal: toda importação de termos é uma intrusão de uma cultura estrangeira e traz consigo valores que interferem e modificam a cultura que o adota.

A língua-fonte é a que influencia na imposição de um termo, e a que o recebe é a língua receptora. A coexistência entre ambas tende a modelar o vocabulário da receptora por um recorte analógico do mundo objetivo, de acordo com os traços da língua-fonte. A causa não é apenas a vizinhança territorial, nem a convivência lingüística. É resultado da ascendência de uma nação sobre a outra no campo em que se dá o empréstimo. A identidade cultural diz respeito à conexão entre indivíduos e estrutura social. É a categoria que define como os indivíduos se inserem no grupo e como eles agem, tornando-se sujeitos sociais. Define a forma como o indivíduo incorpora o mundo material a partir da experiência e projeta essa incorporação como construção simbólica.

Essa noção de identidade evoluiu junto com as transformações sociais que se acentuaram no século XX. Houve uma transição do nacionalismo para a globalização, quando tudo passou a fazer parte do mercado dominado pelas potências mais poderosas. Com a globalização, pela circulação planetária de informação e cultura, criou-se uma área comum de referência, onde as identidades específicas vão perdendo os contornos.

Pelos modernos meios de massa, o indivíduo tem condições de receber e consumir bens produzidos em outras culturas, incorporando a seu cotidiano valores de realidades distantes. Desta forma, enfraquecem-se os vínculos com a comunidade mais próxima, junto com as noções de regionalismo e nacionalismo. A adoção indiscriminada de termos estrangeiros, provenientes da cultura que domina a mídia torna-se uma conseqüência natural.
Não é um fenômeno recente: esteve sempre presente nas línguas através de contatos curtos ou prolongados. Na atualidade, intensificou-se pelas condições de supremacia de uma nação sobre as demais. Faz-se distinção entre o termo já incorporado há tempo, um fato histórico e o empréstimo recém-entrado, um fato político contemporâneo: a linha divisória não é sempre fácil de traçar. As línguas modernas também não são simples para descrevê-las exaustivamente.

No caso do inglês americano, sua influência é resultante do domínio de uma nação sobre outras nas várias áreas. Conhecidos tornaram-se os termos movie, estresse, sale, bus, hamburguer, rock, além dos termos da informática e de outras atividades globalizadas. Uns são sempre requisitados, outros, não. Uns nomeiam objetos e lugares (bar, trade, check in, CDrom, loft, marketing, merchandising) enquanto outros apenas enfeitam a frase (Ok, off, sale).

Os empréstimos do inglês americano são relacionados a negócios, cultura de massa, esportes e ciência. Essas palavras que voam sobre as fronteiras lingüísticas e aterrissam no campo “inimigo”, podem ser reformuladas ou não, na escrita , porém na fala são sempre adaptadas à moda do freguês, como mídia (media), frisa (freeser), frila (freelancer) e selve-selve (self-service). Podem adotar um sentido diferente da língua-fonte, como biônico, snob, handcap, outdoor: já ouvimos alguém pedir um cheeseburguer sem queijo!

A língua acompanha o poderio econômico. As palavra vindas do inglês têm o valor de 4500 bilhões de dólares (PIB dos povos de fala da língua inglesa) e o peso da cultura moderna da sociedade de consumo, com a publicidade, o cinema,a TV, a internet, divulgando o American way of life, a ser imitado e respeitado.

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